quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Lei do arrendamento

A Associação Nacional de Proprietários (ANP) defende que, em 2010, para os contratos de arrendamento anteriores a 1990, as rendas sejam actualizadas para um valor mínimo de 50 euros. Segundo artigo no jornal Público, tal medida afectaria 234 mil habitações.

A sua implementação está, porém, sujeita à vontade do Governo que, politicamente, não tem qualquer margem de manobra para aceder à reivindicação da ANP.

Apesar deste ser um problema que se arrasta à décadas (com a consequente desertificação e degradação dos centros urbanos) nada de concreto foi feito para o resolver.

Penso, por isso, que chegou a hora da ANP recorrer à Constituição!

Artigo 62.º - Direito de propriedade privada

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

Em termos práticos, o Estado, através da Lei do Arrendamento, expropriou milhares de habitações em benefício dos seus inquilinos. Sem, contudo, pagar qualquer indemnização aos proprietários. Ou seja, os senhorios deixaram de poder usufruir livremente da sua propriedade mas não tiveram direito a qualquer compensação por parte do Estado.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Testemunha abonatória

É comum ouvir que determinada pessoa compareceu no tribunal como testemunha abonatória do arguido.

No Ciberdúvidas define-se testemunha abonatória como "uma pessoa que presenciou um acontecimento [ou a(c)to ilegal] e vai depor a favor de alguém acusado de cometer essa ilegalidade". Mas, muitas vezes, a deposição recai apenas sobre a personalidade e carácter do acusado, não sendo apresentada qualquer prova sobre o crime em julgamento. Este é um dos procedimentos que contribui para a lentidão dos julgamentos, não serve como prova dos factos e até é desnecessário segundo o Artigo 32º da CRP:

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

Concluindo, opiniões sobre o carácter e a personalidade do arguido não deveriam ser relevantes para a decisão dos juízes.

sábado, 26 de abril de 2008

Liberdade?

Portugal comemorou ontem, 25 de Abril, o 34º aniversário da queda do Estado Novo. A este feriado nacional deu-se o nome de “Dia da Liberdade”.

É verdade que em 1974 os portugueses iniciaram a conquista de liberdades anteriormente limitadas ou inexistentes, como a liberdade de expressão (apesar das ameaças em “enviar” os partidos de direita para o Campo Pequeno) e a liberdade de voto (a partir de 1975). Mas com as nacionalizações de sectores de actividade ditos estratégicos (incluindo na comunicação social) e, principalmente, com o crescimento do Estado Social, cada português continua a perder, pouco a pouco, a liberdade de escolher o seu próprio destino.

Não posso, por isso, deixar de concordar com a seguinte frase do Filipe Moura (e apenas esta!):

[A] meu ver o 25 de Abril deveria chamar-se não Dia da Liberdade, mas Dia da Democracia.

E, sem o saber, Filipe Moura concordou com James Bovard:
Democracy is not freedom. Democracy is two wolves and a lamb voting on what to eat for lunch. Freedom comes from the recognition of certain rights which may not be taken, not even by a 99% vote. (…) Voters and politicians alike would do well to take a look at the rights we each hold, which must never be chipped away by the whim of the majority.

A 2 de Abril de 1976 a Assembleia Constituinte aprovou a Constituição da República Portuguesa [CRP]. Nesta, o ponto 1. do Artigo 3º diz o seguinte:
A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

Uma vez que o referido “povo” não é uma entidade per si, temos de consentir que a soberania reside, primeiro, em cada um de nós. Consequentemente, a existência de um Estado apenas pode ter como objectivo válido a protecção da soberania individual. Caso contrário será somente diferente tipo de opressão. Esta troca dos papéis de soberano e súbdito entre governantes e cidadãos é um nobre, muito recente e liberal princípio que se tentou implementar através do sistema democrático.

Infelizmente, tal princípio foi corrompido pela própria democracia que, sem uma efectiva protecção de direitos fundamentais, permite às “maiorias” o desrespeito pela soberania individual das “minorias”. Aliás, tendo em conta a dificuldade da maioria dos eleitores concordar a 100% com o programa eleitoral do Governo que elegeu – além de não haver a obrigatoriedade do seu cumprimento – é possível aos governantes manipular o próprio sistema de forma a serem servidos os interesses de alguns à custa de muitos (experimente-se, por exemplo, efectuar um referendo ao comboio de alta velocidade e provavelmente a maioria dos portugueses votaria não pagar por mais este “elefante branco”).

Com a Revolução dos Cravos conquistou-se a Democracia. Ainda temos de esperar pela Liberdade!

Nota: também publicado n'O Insurgente.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Data marcada

A Assembleia da República já marcou data para ceder um pouco mais da nossa soberania:

A Assembleia da República vai aprovar o Tratado de Lisboa no próximo dia 23 de Abril, decidiu hoje [25 de Março] a conferência de líderes parlamentares.

[Público]

quarta-feira, 26 de março de 2008

Constituição ideológica (2)

Via O Insurgente, verifico que, no blogue da Revista Atlântico, Pedro Marques Lopes e Henrique Raposo discutem sobre o facto da CRP ser, ou não, excessivamente ideológica (tema que já abordei em anterior post).

Desta discussão gostaria aqui de destacar o seguinte parágrafo do texto de Henrique Raposo:

E que constituição é esta que permite que PSD e PS dominem as nomeações para o Tribunal Constitucional? Que Justiça é esta quando o TC é dominada por boys partidários, como se fosse uma - lá está - empresa pública?

Esta é uma situação que poderia ser atenuada através da realização de audiências públicas ao juiz nomeado, além de, por exemplo, parecer (vinculativo ou não) de um Colégio de Ilustres(?) Magistrados.

E o (insurgente-artista-da-fuga) Adolfo Mesquita Nunes acrescenta:
E para além desses exemplos, expressamente previstos pela própria CRP, outros existem que sobrevivem graças às interpretações que da CRP fazem não só os partidos políticos, como os constitucionalistas, como o Tribunal Constitucional ou o próprio Presidente da República e que, no seu conjunto, oferecem um contexto que dificulta as reformas e promove a cautela constitucional.

Além de interpretações enviesadas (como a do Provedor de Justiça) o problema também está no facto do Tribunal Constitucional ser, por vezes, excluído de apresentar a sua interpretação.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Desemprego é inconstitucional?

No Artigo 58º da CRP podemos ler o seguinte:

1. Todos têm direito ao trabalho.

2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego;

Se todos temos direito ao trabalho como pode, então, haver desempregados?

O referido artigo diz que compete ao Estado o cumprimento da obrigação constitucional de pleno emprego, objectivo que, contudo, raramente tem sido atingido. Assim, em vez de terem de esperar por ofertas do sector privado, podem os desempregados de longa duração exigir do Estado o seu direito constitucional ao trabalho? Pode o Estado criar emprego? E se pode, porque não o faz de forma a conseguir pleno emprego?

Acontece que o Estado não cria riqueza, apenas a transfere. Para oferecer um emprego a determinada pessoa o Estado terá de retirar riqueza aos contribuintes que - através do consumo e/ou investimento - dão emprego a outros. Traduzindo, para criar emprego o Estado tem de destruir postos de trabalho.

Alternativamente, o Estado teria de recorrer à nacionalização de todos os meios de produção e ao planeamento central do mercado de trabalho. Além do que se aprendeu de experiências anteriores, existe ainda um obstáculo a esta medida. A própria Constituição:
Artigo 62.º (Direito de propriedade privada)

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Alienar soberania

Cito de memória declaração de José Miguel Júdice no programa "Regras do Jogo" emitido na SIC Notícias:

Quando aderimos à União Europeia – ainda não se chamava assim – alienámos parte da nossa soberania e podemos reavê-la quando (e se) quisermos sair da União (...)

Seguramente o ex-bastonário da Ordem dos Advogados há muito tempo não lê a Constituição da República, mais concretamente o Artigo 3º:
1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

A indivisibilidade da soberania não permite, por isso, a sua "alienação". Mesmo que parcial.