quarta-feira, 4 de julho de 2007

Uma questão de soberania (2)

Helena Matos, no Blasfémias:

A UE corre o risco de ser cada vez mais um projecto dos líderes e uma abstracção para os povos. A UE é certamente um espaço de democracia mas é simultaneamente o espaço político cujos líderes evitam por todos os meios que seja sufragado pelo voto popular. Para ilustrar este paradoxo veja-se o caso português: aderimos à então CEE para travar derivas autoritárias mas até agora nunca os nossos líderes nos consideraram aptos para votarmos as grandes decisões da UE, como o tratado europeu, o euro ou Maastricht. Durante quanto tempo resistirá a UE a esta afirmação pela lógica do facto consumado?

Sobre cronologia do comportamento da Assembleia da República em relação à subjugação de Portugal à União Europeia, convém ler ensaio de Alves Pardal (pdf):
De acordo com o princípio do adquirido comunitário - também conhecido como princípio do reconhecimento do acervo comunitário - quando um Estado adere às Comunidades deve aceitar e acolher o património jurídico e político das Comunidades. No Acto relativo às condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa, o artigo 2º estipulava que: a partir da adesão, as disposições dos tratados originais e os actos adoptados pelas instituições das Comunidades antes da adesão vinculam os novos Estados membros e são aplicáveis nestes Estados nos termos desses tratados e do presente Acto.

As matérias objecto de integração comunitária passaram a ser da competência da estrutura institucional comunitária. Por conseguinte, ao ter aprovado, para ratificação, os Tratados de Adesão, a Assembleia da República deu um passo decisivo na afectação das competências que lhe estavam constitucionalmente reservadas.

Se bem que, ao contrário dos Estados, as Comunidades Europeias não disponham de uma plenitude de competências, encontrando-se dotadas, isso sim, das competências atribuídas pelos Estados-membros (princípio da competências de atribuição), a verdade, porém, é que essas competências não têm cessado de aumentar.

Logo após a adesão, em 1986, foi assinado o Acto Único Europeu. Anos depois, em 1992, foi assinado o Tratado de Maastricht que criou a União Europeia. Em 1997, foi assinado o Tratado de Amesterdão. Em 2001, foi assinado o Tratado de Nice. Em 2004, foi assinado o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Através do “processo solene de revisão dos Tratados”, os Estados têm atribuído novas competências à União e às Comunidades Europeias.

Dado que as alterações efectuadas pelos Tratados de Revisão só entram em vigor após ratificação por todos os Estados-Membros, de acordo com as respectivas normas constitucionais, após a assinatura de cada um dos Tratados de revisão, a Assembleia da República foi chamada a intervir, no sentido de o aprovar, para que, de seguida, se procedesse à sua ratificação. Embora essa aprovação pareça revestir um carácter eminentemente formal, o certo é que o Parlamento português tem sido chamado a prestar um contributo decisivo ao processo de construção europeia, tendo aprovado os sucessivos Tratados de Revisão.

(…)

Paradoxalmente, porém, ao ter aprovado, para ratificação, cada um desses Tratados, a Assembleia da República acabou por participar na limitação das suas próprias competências, pois contribuiu para a comunitarização de matérias que passaram a ser da competência da estrutura institucional da União e das Comunidades.

Por outro lado, têm sido criados novos poderes às instituições comunitárias, mesmo sem empregar o “processo solene de revisão dos Tratados”. Foi assim que, através da “cláusula de alargamento de competências dos órgãos da Comunidade”, foram adoptados actos normativos nas mais diversas matérias. Neste âmbito, os parlamentos não têm qualquer intervenção, nem sequer formal. E, no que concerne às competências comunitárias, também não se pode descurar a aplicação jurisprudencial da teoria dos poderes implícitos, mediante a qual se revelaram competências de actuação da Comunidade.

Por conseguinte, com a dinâmica do processo de integração europeia, a Assembleia da República começou a ver limitadas as suas competências de produção normativa a favor dos processos de tomada de decisão a cargo das Instituições Comunitárias, entre as quais avulta o Conselho. À medida que se foi processando o alargamento dessas competências, a Assembleia da República deixou de se pronunciar sobre as matérias por elas abrangidas.
Uma importante questão: segundo a Constituição da República Portuguesa, pode a Assembleia da República "vender" a soberania do Estado?

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